movimentos de fúria
sopram-me na memória
noites de pensamento
entre as estrelas
o bater das ondas
num mar sem fim de imaginação
leva-te ali
sem te aperceberes
os toques da tua alma
a leveza do teu espírito
quando te elevam
escreve
sente
infiltra-te
arrepia-te
gélidas
não
ar
vento
não conseguirás gravar
as imperfeições
de tu
vive o que tens
constrói
as mãos que te têm
aliás gosto de falar contigo
hoje sonhei que sonhava
que havia muita gente à minha volta
deixa-se as crianças
apanha-se fruta
de pés descalços na casa da Joana
toma-se banho na praia
e acorda-se
com as ondas a baterem nas costas
em forma de para sempre
os gatos miam como se chorassem
as escolas fecham
o céu fica alaranjado
tudo o resto é branco
não existem casas
nem montanhas
nem paisagem de nenhum tipo
perde-se alguma gravidade
é assim
como que falta a direcção
fico entalada
esqueço os verbos
vou-me sentar naquele canto
gostem de mim
dêem-me abraços
Lua Cheia
Para descansar os olhos
Passa uma nuvem, de tempos a tempos
Este poema não me saiu mais da cabeça!
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Para falar sobre o mundo escolho girassóis de Van Gogh e algumas palavras de Almada Negreiros
"Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a sciencia que trata da vida; era justamente do que eu necessitava - pôr sciencia na minha vida.
Li o livro de filosofia, não ganhei nada Mãe! não ganhei nada.
Disseram-me que era necessario estar já iniciado, ora eu só tenho um iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo á imagem e semelhança de Deus. Não basta?
Imaginava eu que havia tratados da vida das pessoas, como ha tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecido com o tratamento que há para os animais domesticos,não é? Como os cavalos tão bem feitos que ha!
Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como ha hostias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma hostia. Um livro pequenino, com duas paginas, como uma hostia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia."
Lançamo-nos num abismo todas as manhãs.
Estamos sempre aqui, sempre estivemos.
De olhos ainda entreabertos bate-se o espaço. Devassam-se as provas de que tudo mudou : que nós mudámos, que o mundo mudou, e que há uma nova vida à espera lá fora.
- Podia dissertar sobre tudo o que espero que se altere, sem nunca fazer algo de significativo para que isso aconteça - mas "aqui"…!...
- Aqui é como se tudo tivesse um tempo e uma vida própria.
Não é?
Desmultiplicamo-nos em pernas trémulas braços vigorosos pulmões a meio gás faces olhos perversas mentes sábias pedras da calçada soltas em terra batida de edifícios velhos apaixonantes copos de plástico vazios autocarros atrasados animais felizes fluentes livres pensadores doutores usurpadores artistas linguistas magistrados frustrados papéis na reprografia esperando acção política caseira sobrevivência constante estudante que passa alta e baixa vazia jardim verde bairro e avenida. Aqui em todo o lado há vida.
Não há?
Boa ou má, persegue-nos, e nós a ela, procurando ganhar o jogo da caça ao tesouro - Ambos somos piratas. - Nós e a Vida, digo. Nós e o Mundo. O Mundo - e a Vida - habitado por piratas predadores.
Piratas da arte predadores da lei da saúde piratas da sabedoria predadores do amor das palavras predadores pirateados infelizes errantes descontentes com tudo o que não caçam com o que não é possível saquear por nem sequer estar à vista.
Amamos e odiamos o mundo porque sim vivemos tudo em falta de algo melhor sem consciência de que podíamos tê-lo feito exactamente agora.
Não somos todos assim?
Altos e baixos vazios e plenos de vida.
Desmultiplicamo-nos...
E tudo há-de evoluir.
O Mundo é engenho da terra e do céu.
O Mundo, engenho da terra e do céu começou a girar.
O Mundo, engenho da terra e do céu, gira e depressa.
O Mundo, engenho da terra e do céu, gira tão depressa que causa a confusão no Mundo dos homens que é pobre.
O Mundo, engenho da terra e do céu, que gira tão depressa que causa a confusão no Mundo dos homens que é pobre, está ligado ao Mundo pobre dos homens pela vida que lhe deu.
O Mundo é engenho da Munda.
Escala do mundo – Distância compreendida entre o centro do mundo e os limites do céu.
Escala do céu – Distância compreendida entre o centro de um homem e os limites da sua visão.
Conspirar sobre o engenho do mundo – engenho circular com certeza – é ficar a olhar o céu e ser por ele olhado.
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De pé, em frente à tela branca com o espelho a seu lado, o pintor começava a esboçar os traços de um auto-retrato sobre a luz forte de um dia que entrava pela janela do estúdio.
Ao final da tarde, já com a vista cansada, o pintor decidiu acender uma vela junto de si e outra junto do espelho. O quadro já estava mais que esboçado com as medidas e as proporções correctas, só faltava pintar o seu rosto.
Hesitação…
Se houvesse alguém que naquele momento espreitasse pela janela do estúdio, viria o pintor retido no olhar do seu reflexo, imóvel entre o espelho e a sombra projectada pela luz das velas.
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- És cego homem? Vê para onde andas sim?
- Peço desculpa senhor foi sem querer, estava distraído.
- A distracção é a morte do artista!
- Desculpe.
- Está doido homem? Aleijou-me e nem pede desculpa!
- Perdoe-me senhor não foi por mal, não o ouvi surgir.
- Como não me ouviu surgir? Eu estive sempre aqui. Você é que chocou contra mim.
- Desculpe
- Oh! Homem está a brincar comigo ò quê?
- Ai! Peço desculpa senhor, não o vi.
- Isso sei eu, quase me entortou o nariz…Você é louco.
- Não! Desculpe mas isso não lhe admito! Eu posso ser muito distraído, mas caramba, isto é obra! Desde o início da rua que choquei três vezes com o senhor! Tão louco é o que choca como aquele que está parado em todo o lado.
- Como assim?
- Então desde quando é que é normal estar parado em todo o lado?
-...
-Ouça, a rua ainda é comprida e prevejo que não há grande volta a dar ao nosso problema a não ser pelo entendimento.
- Explique-se.
- Esclareça-se já aqui que, para a próxima vez que chocarmos, fica claro o seguinte: Ou foi porque somos os dois loucos e não apenas eu, ou então foi por culpa da coincidência.
- Ou seja, se por acaso chocarmos outra vez, ou foi por coincidência ou porque ambos somos doidos?
- Isso.
- Está bem. Adeus e espero que nunca mais o veja.
- Eu também. Adeus.
- Você é doido ou quê? Sou transparente por acaso?
- Ai! Peço desculpa senhor, não o vi.
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“Quadrado
Deixai-me com a sombra
Pensada na parede
Deixai-me com a luz
Medida no meu ombro
Em frente do quadrado
Nocturno da janela”
Sophia de Mello Breyner Andresen
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“ «Que não seja uma paixão que respire a volúpia terrena, mas uma serena paixão celeste. Sem ela, o homem é incapaz de erguer-se do chão e de criar os sons divinos da serenidade. Porque é para a serenidade e apaziguamento de todos que a alta criação da arte desce ao mundo. A arte não pode instalar a revolta na alma, mas deve aspirar eternamente a Deus, como uma oração. Porém, há momentos, momentos obscuros…»”
“O retrato” de Nikolai Gógol
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“ «O problema está todo aí», pensou Sayed Karam. «O filho do pedreiro morreu por falta de medicamentos, quer dizer, por ser pobre. Verdade elementar, é certo, mas esta noite com uma importância especial, porque é a primeira vez que penetra no meu coração. Eis porque devo considerá-la como uma revelação. A partir de agora, o meu amor terá um sentido e a minha vida uma razão. Para mim, viver vai significar combater.»”
“Os esfomeados só sonham com pão” Albert Cossery
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Chovia quando chegava a casa de autocarro. Ao sair no terminal, apanhei uma flor que estava caída no chão; um homem que me viu apanhá-la disse-me que era “um olá da primavera neste começo de Outono”. Sorri para ele, ele sorriu para mim, e apesar da chuva, não deixou de me contar um episódio em que, perdido no meio de um nevoeiro, encontrou a maior roseira que até então vira. Disse-lhe que talvez por esses achados valesse a pena estar perdido. “Talvez…” respondeu-me. Depois despedimo-nos e fui para casa.
As flores daquela árvore eram lindas. Arranquei uma para a levar para o meu quarto e pô-la sobre o rebordo da janela onde deixo folhas, flores e raminhos morrerem de secos. Era branca e cheirava à plasticina com que brincava na minha infância. Agora está seca junto das outras folhas, flores e raminhos, todos secos, reunidos sobre a luz e a chuva de lá de fora.
É difícil ter tempo livre, e ainda mais difícil partilhá-lo com os outros. Hoje o dia parecia outro, um desconhecido que se mostrava ao longe, limitando-se a passar.
Os cavalos ao longe perto da piscina, concretizavam a beleza que aquele local tinha. O terreno em frente à casa era um quadro de ervas, arvores e pedras, pedras que eram ruínas do tempo, túmulos do passado. Banqueteávamos sobre aquela vista.
O jantar posto na mesa corrida. Ervas e cheiros do campo entaipados nas panelas quentes. Mestre Ervas, o cozinheiro, sentava-se à cabeceira e quase nunca falava enquanto o Mensageiro, sentado a seu lado e atento aos discursos dos outros, nunca perdia a oportunidade para desenvolver uma conversa interessante. A Criança embirrava com o Advogado que, cheio de falsas certezas, gostava sempre de ter uma opinião final. A Selvagem brincava com a comida ao lado do Lobo – sem dúvida um ser pacífico – que acolhia todo aquele simpósio da forma mais cómica possível. O photo-man mantinha uma posição discreta como é devido a qualquer fotógrafo – a sua voz era muito atenta e cautelosa. Havia também um Mantra, uma Vítima, uma Amora, um Gago e uma Mãe.
Por vezes àquela hora, quando a lua vermelha nascia, surgia Maria que gritava “Allegria!”
O que me levou a participar na residência, organizada pela Luzlinar, foi não só o mote da residência – as artes performativas – mas também a curiosidade que tinha em conhecer a organização Luzlinar e o local, o Feital.
Eu acredito que, estas actividades onde há um interesse comum que leva determinado número de pessoas a viverem em comunidade durante um período de tempo, podem ser experiências formadoras na vida de uma pessoa. Os conflitos, os encontros e as necessidades que a vivência em comunidade exige, despertam, de forma intensa, a atenção que dedicamos aos outros e ao todo; penso que isso se pode resumir na riqueza de “encontrar alguém”, de encontrar o ser humano.
António Dente
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Confesso que não tinha gerado grandes expectativas em torno da residência Luzlunar, porque também não tinham avançado com muita informação sobre os conteúdos no anúncio que vi. A minha inscrição foi um pouco por impulso. Em todo o caso, a ideia de partilhar o mesmo espaço (não urbano) com outras pessoas, com um grau de entusiasmo/entrega à arte semelhante ao meu, bem como a hipótese de passar 5 dias focada nas artes performativas, agradaram-me bastante.
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"Melhorar" uma pessoa pode acontecer com o mais pequeno gesto: um sorriso inesperado, um abraço confortante...
Todo o ambiente que propicie a interacção/relação entre seres humanos, a quebra de barreiras sensoriais e preconceitos, ajuda a que nos tornemos melhores, ou pelo menos, mais conscientes (de nós próprios e dos outros). Neste sentido, uma residência artística é um lugar magnífico que actua como incubadora de conhecimentos, de troca e partilha de experiências, que potencia a generosidade e honestidade na relação com o outro, e com o próprio meio que se habita. O tempo liquidifica, e torna-se difícil entender a sua densidade: tudo passa num instante, mas enquanto dura perdemos a sua noção. E segundo algo que foi dito na residência, é bom que assim seja: porque a performance tem um tempo próprio, e quando não sabemos dizer quanto tempo passou, é sinal que estivemos "mesmo lá".
Carolina Santos
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Em tudo o faço e neste caso participo "jogo" com as expectativas muito altas… estou sempre à espera de me surpreender com o trabalho a realizar e com o conhecimento adquirir e claro seja com todo o grupo em si. No caso da residência só tenho agradecer a possibilidade de ter participado! Organização de alto nível, formadores conseguiram o grupo e estiveram sempre de uma maneira muito próxima e o seu método resultou em cheio, o sitio é fantástico as pessoas envolvidas foram (SÃO) lindas!! O resultado final: Brutal!!! Pena foi o último dia tudo ter que regressar a vida comum...
Uma residência como esta que se desenvolveu só atrai pessoas que tenham mesmo a vontade de o fazer…são estas pessoas que vão ganhar, (eu ganhei, estou mais rico!!) que vão melhorar a sua maneira de estar, de ver o mundo, de dar valor, de apurar todos os sentidos, de conhecer outros seres..o meditar, aproveitar a natureza como principal recurso, a luz da Lua, fazer uma pausa nas vidas atribuladas e "ouvir" o silêncio e descobrir que na vida se podem fazer coisas maravilhosas...Acreditar? Eu Acredito.
Roger Bento
No âmbito da residência de artes performativas “Luzlunar”, que decorreu na primeira semana de Setembro, convidámos o fotógrafo e designer Tiago Rodrigues a realizar o trabalho fotográfico que agora apresentamos publicamente.
Esta exposição é inaugurada no dia 14 de Dezembro às 18h00, na Galeria do Teatro do Convento, onde permanecerá até 31 de Dezembro e pode ser visitada todos os dias entre as 14h00 e as 18h30.
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Tiago Rodrigues nasceu a 3 de Fevereiro de 1980, na cidade de Coimbra. É actualmente Designer Gráfico no Teatro Municipal da Guarda, profissão que exerce desde Junho de 2005.
Concluiu a Licenciatura no Curso de Design Gráfico do IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing) no ano de 2002.
De 2002 a 2004 frequentou o Curso de Design Industrial também no IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing).
Participou nas seguintes Exposições e Publicações:
2004
• “Carmine” - exposição individual de fotografia - Galeria do Paço da Cultura - Guarda
• “A Memória das Coisas 10” - realização de uma série de fotografias das aldeias envolvidas neste projecto. Trabalho realizado para o Núcleo de Animação Cultural (NAC) - C.M.G.
• "Praça Velha - Revista Cultural da Cidade da Guarda" • NOV-2004 - Publicação de um Portfolio de fotografias da Guarda
• "ar livro" - edição do Núcleo de Animação Cultural e Câmara Municipal da Guarda - publicação de uma fotografia
2006
• Caderno TMG Nº 4 • "Visible Speech - cinco dedos de conversa com cinco autores da poesia sonora e fonética, e de acção performativa" de Jorge dos Reis - publicação de uma série de fotografias dos espectáculos que decorreram no "Festival Dizsonante" realizado em 2005 no Teatro Municipal da Guarda - Junho
• "ups! #3" - publicação de fotografias documentais do espectáculo realizado no festival y #3 - "Inominável" - Junho
• "Rota Matina... a pulverizar o dia a dia" - Exposição Colectiva de Arte (Pintura, Escultura, Fotografia, Desenho, etc) realizada em diversos pontos da cidade da Guarda - Fotografias expostas no "Bar Zincos" - 21 de Julho a 22 de Agosto.
• "Boca de Incêndio nºs 4 e 5" - publicação de fotografias documentais do espectáculo realizado no festival y #3 - "Inominável" - Dezembro
2008
• "Stand-Specific" - exposição individual de fotografia no âmbito do projecto Table of Contents realizada no Café Concerto do Teatro Municipal da Guarda - Janeiro
• "Um Rosto para Cristo" - exposição organizada pelo Núcleo de Animação Cultural na Galeria do Paço da Cultura - exposição de um trabalho gráfico e fotográfico - Março
• "ups! #4" - publicação de fotografias do projecto "Asýmptotos" - Dezembro
2009
• "Kraków" - exposição individual de fotografia no âmbito do projecto Table of Contents realizada no Café Concerto do Teatro Municipal da Guarda - Agosto
Lista final de participantes
Ana Carolina Alves dos Santos | Coimbra |
Anabela Silva Chagas | Celorico da Beira |
António Maria Gonçalves Dente | Lisboa |
Bruno Daniel Pereira Lopes | Aveiro |
Eugénia Carvalho | Aveiro |
Mariana Costa Fernandes | Lisboa |
Mariana de Sampaio Gonçalves | Lisboa |
Mónica Martins Nunes | Lisboa |
Roger Bento | Viseu |
Tiago Rodrigues | Guarda |
Luzlunar
Trata-se de uma oficina anual, a decorrer em regime de residência, no Feital, pelo período de 5 dias, dirigida a pessoas ligadas às artes performativas, com um número máximo de 10 participantes e com uma apresentação pública final em forma de espectáculo.O projecto Luzlunar pretende ser uma oficina de experimentação e transgressão de conceitos e metodologias na criação performativa, explorar formas de criação de neo-identidades: individuais, locais, materiais, situacionais, culturais, textuais, antropológicas, imagéticas, religiosas, arquitectónicas e paisagísticas, através das artes performativas.
Ao longo da oficina, os participantes serão convidados a criar discursos performativos que, ao 5º dia, serão apresentados ao público sob a forma de espectáculo, sempre no início duma noite de lua cheia. O ponto de partida que servirá de tema para cada residência será sempre diferente, poderá ser um espaço físico ou um conceito