Lançamo-nos num abismo todas as manhãs.
Estamos sempre aqui, sempre estivemos.
De olhos ainda entreabertos bate-se o espaço. Devassam-se as provas de que tudo mudou : que nós mudámos, que o mundo mudou, e que há uma nova vida à espera lá fora.
- Podia dissertar sobre tudo o que espero que se altere, sem nunca fazer algo de significativo para que isso aconteça - mas "aqui"…!...
- Aqui é como se tudo tivesse um tempo e uma vida própria.
Não é?
Desmultiplicamo-nos em pernas trémulas braços vigorosos pulmões a meio gás faces olhos perversas mentes sábias pedras da calçada soltas em terra batida de edifícios velhos apaixonantes copos de plástico vazios autocarros atrasados animais felizes fluentes livres pensadores doutores usurpadores artistas linguistas magistrados frustrados papéis na reprografia esperando acção política caseira sobrevivência constante estudante que passa alta e baixa vazia jardim verde bairro e avenida. Aqui em todo o lado há vida.
Não há?
Boa ou má, persegue-nos, e nós a ela, procurando ganhar o jogo da caça ao tesouro - Ambos somos piratas. - Nós e a Vida, digo. Nós e o Mundo. O Mundo - e a Vida - habitado por piratas predadores.
Piratas da arte predadores da lei da saúde piratas da sabedoria predadores do amor das palavras predadores pirateados infelizes errantes descontentes com tudo o que não caçam com o que não é possível saquear por nem sequer estar à vista.
Amamos e odiamos o mundo porque sim vivemos tudo em falta de algo melhor sem consciência de que podíamos tê-lo feito exactamente agora.
Não somos todos assim?
Altos e baixos vazios e plenos de vida.
Desmultiplicamo-nos...
E tudo há-de evoluir.
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